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||  O R D O   ✠   E X   C H A O S  ||
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Scientia contra Deum - et ad Deum.

Veritas est ignis.

Em verdade vos digo

2025-10-10

Minutos antes de enterrar a filha, a mãe decide tirar uma última foto da menina no caixão para guardar de recordação, as pessoas ao seu redor murmuravam estranhando o comportamento da mãe. Tia Zélia chegou a comentar baixo com ela: “Isto não está certo, não é?”

Os funcionários, já acostumados com os mais variados comportamentos das pessoas em um funeral, se entreolharam e o mais velho abafou um risinho sarcástico.

A mãe sabia que aquele homem narigudo, baixinho e pálido como um cadáver estava ali - mas ainda não o tinha visto. Talvez tenha sido por esse motivo que a fez tirar foto da morta naquele momento.

Vendo que essa atitude da mãe passou a aumentar uma irritabilidade por parte das pessoas, antes que a comoção se transformasse em indignação, o funcionário mais velho se aproximou delas e disse: “Senhora, precisamos continuar com o enterro, sabe questão de horário ta apertado, né?”.

A mãe assentiu com a cabeça e já amparada pela tia Zélia se afastou do caixão, e a medida que se distanciam, a mãe olha ao redor e vê sempre os mesmos olhos julgadores que sempre recebera, e também estava a procura daquele homem.

A caminhada até a sepultura foi tranquila - talvez um tanto preocupante para a tia Zélia. O sepultamento ocorreu normalmente, e na despedida poucos se aventuraram a confortar a mãe.

Os funcionários vendo todos irem embora, o mais velho assentiu com a cabeça para o outro dizendo: “Fez bem em nada dizer, senão sobraria para gente. Não somos nada, mas sempre precisam da gente, de uma forma ou de outra.”

Já no estacionamento, um alívio para todos: para os próximos o peso estava se dissipando; para os simplesmente convidados por questões sociais, mais um compromisso finalizado; e para os intimos, a dura realidade em tentar sobreviver à perda.

E neste inicio de sobrevivência, o pai - totalmente desesperado - encontra a mãe e grita com ela:“Você não deveria ter feito isso! Era minha filha também, eu tinha o direito de vê-la uma última vez, sua bruxa maldita!”

Amparado por tia Zélia, o pai cai de joelhos. Agarra a cintura de senhora, que o conforta como pode. E a mãe, em disparada, corre em direção ao carro que a espera.

O motorista ao longe vê um certo tumulto, e se antecipa em ajuda-la a entrar no carro. O comportamento da mãe, chamou um pouco de atenção, mas logo tirou isso da cabeça pois cada um reage de um jeito mediate a situações e perdas.

Seguindo o caminho, ao parar no farol, sua fisionomia mudou completamente pois tinha avistado aquele homem: parado na penumbra de um toldo velho, querendo ser visto, ela subitamente pensa: “Como sabe que eu…. que o que era, não foi…. enfim, verei assim que chegar em casa”.O vazio do lugar e a lembrança do que restou pesava para mãe. Já de pijama e prestes a tentar dormir sem pilula - esta dada por tia Zélia -, ela havia prometido que usaria.

Atendeu algumas ligações e é claro, a mais demorada de tia Zélia, que ficou com a orelha totalmente vermelha de tanto que falava. Não parava de recitar versos da biblia, mas um em especial ela decorou: “Deus mostra a Ezequiel um vale cheio de ossos, e os faz voltar à vida”

Ela suspirou e passou a ver as fotos no celular, com a frase ressoando ao longe…. até que a foto que ela tinha tirado do caixão chama a atenção.

Ela dá um zoom, vai analisando cada pedacinho da foto, até que nota detalhe chocante na fotografia.

Trêmula e em desespero sai em disparada rumo ao cemitério.

Anos que não pegava na direção - depois de um incidente horrível que causou perda considerável da visão do olho esquerdo e quase a surdez também do ouvido esquerdo. Sabia que, neste momento, o relógio estava contra ela, e a falta de habilidade poderia ser corrigida no caminho, uma vez que a localização do cemitério não tinha ruas tortuosas, esburacadas…. Sim, ela iria chegar até lá.

Bom, chegou ao local. Claro que não podemos ter a expectativa de uma boa baliza - e nem que iria trancar o carro, não é?

Desesperada, conseguiu encontrar o senhor que havia feito o sepultamento e gritou para ele: “POR FAVOR, DESENTERREM MINHA FILHA AGORA” ela implorava, de joelhos.

O velho, que durante anos nesse trabalho nunca viu uma cena dessas, ficou surpreso e mentalmente sem saber o que fazer - e se arrependeu, ao mesmo tempo, por não ter ido embora no horário.

continua